Tecnologia e parentalidade, um equilíbrio necessário
- Soluções em Foco

- 13 de nov. de 2024
- 17 min de leitura
Atualizado: 28 de nov. de 2024
Em meio a uma era permeada de tecnologia, a orientação dos pais é essencial para um crescimento saudável
Por Caroline Calura, Luisa Nielsen e Maria Fernanda Matheus

Parentalidade recreativa abstendo o uso de telas para crianças | Imagem: Acervo pessoal/Daniella Mirindolino
O que acontece a centenas de quilômetros está a um clique de distância. Com o advento da tecnologia, os processos burocráticos foram simplificados, a comunicação se tornou instantânea e a informação, acessível. Um dos grandes recursos tecnológicos amplamente empregados é a rolagem infinita. Ao “puxar” a tela para cima, uma gama ilimitada de conteúdos é disponibilizada. Esse modelo foi primeiro utilizado pelo X, então Twitter, em 2006. Sem precisar carregar várias páginas, o usuário tem uma experiência mais prática na navegação.
A técnica se espalhou rapidamente, em aplicativos como Facebook, Instagram e TikTok. Além de trazer praticidade ao dia a dia, a ferramenta é muito eficiente. Isso porque, além da rolagem infinita, os aplicativos contam com o auxílio dos algoritmos. Tudo é baseado em análise de dados. Esse recurso está nos termos de uso e na política de privacidade que aceitamos ao criar uma conta, geralmente sem nem mesmo ler. Os termos indicam que nossos dados podem ser analisados. Isso dá origem aos sistemas de recomendação: quando o aplicativo identifica nossas preferências, ele nos oferece mais do que gostamos. A captação dos dados se torna tão eficaz que, sem perceber, além do consumo do conteúdo produzido por empresas e influenciadores, começamos a ver anúncios nas plataformas que realmente nos interessam, sem nem pensar em pular.
Aos nativos digitais - geração de jovens nascidos no contexto de popularização das tecnologias e da internet -, já é inerente e intuitivo o uso desses aplicativos. Portanto, para que o desenvolvimento saudável seja garantido, é necessário saber de que maneira esse uso impacta o desenvolvimento dos jovens, tanto emocional quanto cognitivo. Pensando nisso, é possível observar uma série de aspectos negativos que esses recursos da tecnologia causam. Um estudo da Microsoft, realizado em 2015, já apontava que o tempo de concentração que os seres humanos conseguem ter é cada vez menor. A pesquisa apontou que, de 2000 a 2015, o tempo médio de atenção do ser humano caiu de 12 para 8 segundos. Mas será que só o foco é afetado pela rolagem infinita?
Os impactos da rolagem infinita
Dra. Maria Virginia Lellis Andrade, médica pediatra e professora na Faculdade de Marília (FAMEMA), comenta, em entrevista, sobre as preocupações que essa ferramenta de rolagem infinita causa para a comunidade de medicina. “O uso do celular traz alguns impactos diretos no desenvolvimento das crianças, desde a primeira infância até em outras etapas do crescimento, sendo relacionados principalmente à questão comportamental e de atenção”, afirma ela.
Nas etapas do crescimento, a especialista coloca que, na primeira infância, que é considerada até os seis anos de idade, o impacto é em relação à construção cognitiva, porque as crianças se desenvolvem por meio de exemplos e de estímulos concretos, que trabalham a neuroplasticidade, que é a capacidade do sistema nervoso central de se adaptar e se moldar a novas situações, e do ganho de sinapses, que permite que um estímulo nervoso passe de um neurônio a outro. Nesse momento, os principais promotores disso tudo são os cuidadores que interagem com ela de forma muito direta. Então, um bebê compreende o outro através, muitas vezes, da expressão facial ou da resposta de um cuidador em relação a algo que ele tentou fazer, quando consegue ou não. Essa interação é muito comprometida quando existe a exposição à tela precocemente.
“A literatura científica afirma que as telas, desde celulares até televisão, não devem ser oferecidas a crianças de menos de 2 anos, por causa da necessidade dessa faixa etária, que é um momento de desenvolvimento neuropsicomotor”, afirma Maria Virgínia. “Essas interações neuronais são beneficiadas pela ‘questão do concreto’, da troca entre as pessoas, de brincar, de ter brinquedos sólidos. Essas interações, são as grandes responsáveis por incentivar o desenvolvimento da criança”, completa a especialista. Dessa forma, as crianças necessitam de exemplos para que elas consigam aprender e se desenvolver, o que as telas não conseguem proporcionar e não podem ser consideradas como uma forma alternativa de vivência.

O autor Pilincho mostra a troca de atividades físicas por telas, o que leva as crianças a ficarem mais tempo nelas, prejudicando seu desenvolvimento cognitivo e emocional | Tirinha: Pilincho
Maria Virginia traz também a questão do desenvolvimento da visão de um bebê, que acontece antes de seu primeiro ano de vida. No final desse período, a visão já está bem mais evoluída, e a criança consegue discriminar as cores e ter uma visão mais nítida. Somado a visão limitada, a exposição à tela não traz nenhum benefício, já que não estimula e pode até trazer algumas situações danosas, segundo a médica.
O documento da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) sobre telas, produzida pelo Grupo de Trabalho Saúde na Era Digital da entidade, em 14 de agosto de 2024, mostra a relação com algumas pesquisas que apontam alterações de refração da visão, associadas ao uso excessivo de tela, assim como diversas outras situações relacionadas à mudanças e impactos no desenvolvimento comportamental.
Maria Virgínia diz que alguns impactos são globais no que diz respeito à infância, e outros se associam com a faixa etária em que eles acontecem. Quando as telas são oferecidas à criança de forma precoce, pode ocorrer tanto atraso no desenvolvimento motor quanto uma dificuldade de interação social. No primeiro caso, pode causar dificuldade de andar, sentar e se movimentar, e no segundo, atraso de linguagem, o que desfavorece as interações positivas da criança, que são potentes, por exemplo, para o contato com as frustrações. Quando a criança não consegue algo que quer, ela recorre ao celular e às telas, em que pode escolher e receber apenas o que deseja. Já a interação com outras crianças ensina a elas a como lidar com frustrações que podem ocorrer na vida, como o empréstimo de brinquedos, não receber tudo o que ela quer e, assim, ela aprende a conviver com outras pessoas.
Pode-se, também, afetar o rendimento escolar, pois quando é ofertada a tela excessivamente, o que é causado, muitas vezes, pela rolagem infinita dos aplicativos, ocorrem as alterações no sono, tornando-o insuficiente para a criança conseguir ter concentração na escola. Em consequência, há a dificuldade de lidar com a interpretação e com o tempo de leitura que é necessário, desfavorecendo a concentração, tanto nas atividades escolares quanto em casa, no convívio familiar. Principalmente, recentemente, em que os vídeos de maior consumo e os textos estão sendo cada vez mais curtos, devido às mídias sociais.
Além disso, existem impactos emocionais, com a questão da ansiedade, no sentido de tentar buscar, muitas vezes, atender a todos os anseios que o rolar automaticamente proporciona. Ligado a esses impactos, tem-se a questão da nomofobia, que, de acordo com o artigo de Marcos Esper para a Revista Amazônica, se caracteriza como uma fobia causada pelo desconforto ou angústia resultante da incapacidade de se comunicar por meio das tecnologias, como celulares, tablets e computadores (BRAGAZZI, 2014). Depois, o autor fala que, segundo Gezgin, alguns estudos demonstram que, pelo fato de adolescentes estarem em um momento de vulnerabilidade, eles são mais suscetíveis a ter essa fobia, e acabam considerando o telefone como uma extensão deles mesmos.
Quando se passa um tempo grande no celular ou quando não se consegue sair de casa sem o carregador ou sem o aparelho carregado, essas ações trazem consequências de dependência: o medo de ficar sem o celular, a verificação constante para ver se há alguma notificação ou uma mensagem não respondida, o que pode causar até a chamada síndrome da vibração, na qual as pessoas pensam sentir a vibração do aparelho, sendo que não aconteceu, são exemplos de quadros patológicos dessa fobia.
Alguns países, como a China, o Japão e a Coreia do Sul já consideram a dependência do celular como um problema de saúde pública, segundo matéria do G1, e os governos já passaram a criar programas para estimular os jovens a realizarem atividades ao ar livre e, assim, enfrentarem o problema. Entretanto, a nomofobia ainda não foi reconhecida pela Associação de Psiquiatria Americana.
Quando se fala sobre os impactos que a rolagem infinita pode trazer e sobre o tempo de tela, tem que se considerar que a sociedade moderna vive um bombardeio tecnológico digital, as pessoas sentem-se pressionadas a se inserirem nesse meio e têm vivido sob a influência do virtual em seu contexto real, foi criada uma relação íntima com a sociedade digital e com os aparelhos, o que pode ajudar, mas é preciso entender que também pode trazer prejuízos, como a nomofobia.
Um estudo realizado, em 2021, pelas pós-graduandas de educação Ana Paula Pinheiro e Fernanda Pinheiro, da Universidade de Passo Fundo e Universidade Luterana do Brasil, respectivamente, para o artigo “O USO DO CELULAR EM TEMPOS DE PANDEMIA - UMA ANÁLISE DA NOMOFOBIA ENTRE OS JOVENS”, traz a resposta de 31 jovens, entre 11 e 20 anos, sobre qual o sentimento de ficar longe dos celular.

Gráfico: Ana Paula Pinheiro Fernanda Pinheiro
O psicólogo clínico Cristiano Nabuco de Abreu, diz que está cada vez mais complicado resistir ao impulso e ao uso da internet, e isso se torna patológico, resultando em perda progressiva de controle e aumentando o desconforto emocional. Ligado a isso, um estudo, feito em 2021, que faz parte de uma campanha chamada #Cancele o estigma, não as pessoas, da Dra. Carmita Abdo, psiquiatra e professora da USP, chamado “O Impacto da Tecnologia na Saúde Mental”, mapeou 13 diferentes transtornos mentais resultantes do uso abusivo da tecnologia, entre eles, o uso excessivo de jogos pelo celular, computador ou videogame (Gaming Disorder), que é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde, o medo de não conseguir acompanhar as atualizações (Fear of Missing Out), a nomofobia, que é o medo extremo ou ansiedade de ficar sem celular ou desconectado da tecnologia, entre outros.
Na mesma linha de pensamento, a pediatra Maria Virgínia discorre sobre a questão das notificações infinitas, a partir das quais a criança está sendo o tempo todo bombardeada de notificações de que aquilo que ela espera encontrar na rede está chegando naquele momento. “Então, a busca infinita por não estar nunca perdendo nada, vai buscar na rolagem infinita, ela está a par de tudo para não perder nenhum conteúdo, para não perder nenhuma sinalização e nenhuma notificação”, diz a pediatra.
A rolagem infinita é considerada um fator de agravamento pela Sociedade Brasileira de Pediatria, a busca pelo uso, que é cada vez com um tempo maior e mais excessivo. Entretanto, o que agrava mais essa questão comportamental é o algoritmo, que acaba trazendo conteúdos que são aquilo que a criança está aguardando e na expectativa. Isso, juntamente com a rolagem infinita, faz com que a criança esteja sempre consumindo o que gosta, fazendo com que ela queira passar mais tempo nas telas, e faça isso.
Essa questão da rolagem infinita também atua como agravante na questão da atenção, do comportamento e em relação a manter a atenção ou ter o foco. Isso leva a uma análise desse design comportamental de buscar algo que a pessoa consiga acessar rapidamente e que capte a atenção dela de uma forma intensa, mais rápida. Dessa forma, engajando, cada vez mais, e tendo um tempo maior de permanência, sendo, assim, uma parte que também tem um impacto de agravamento significativo.
“Algumas literaturas da medicina trazem que é difícil, muitas vezes, dimensionar como que isso tudo impacta uma ou outra população. É necessário estudos mais globais, porque há uma variação muito grande de exposição à tela”, elucida a especialista. Muitas vezes, o alvo dessas pesquisas são questionamentos feitos ou pelas próprias adolescentes, ou por familiares, e pode haver uma variação de superestimar esse tempo de tela ou até como se realiza a leitura de como isso impacta em comportamento, em aprendizado, interação social e sono nos estudos sobre o assunto. “São necessários ainda estudos para poder dimensionar o ponto de vista de como isso tem impactado, principalmente porque nós vivemos num mundo globalizado e é uma realidade, hoje, mundial essa questão da exposição excessiva às telas”, diz Maria Virgínia.
Parentalidade Digital, educando gerações na era da conexão permanente
A era em que o mundo digital faz parte do cotidiano pode ser um desafio para os pais das novas gerações. É quase impossível fazer com que as telas não estejam presentes em algum momento do dia. Diante das diversas ferramentas que os aparelhos digitais possuem, se tornam encantadores aos olhos de uma criança e são capazes de tomar toda a sua atenção, tornando-se o melhor amigo de um pai ocupado ou, inconscientemente, seu maior inimigo.
São diversos os problemas que podem ser causados para os consumidores frequentes de aparelhos digitais, crianças e jovens que vivem conectados podem perceber os malefícios desde os primeiros anos de uso. Dessa forma, é necessário que os pais administrem como e qual o tempo que os aparelhos que estão sendo utilizados por seus filhos.
Psicólogos e outros especialistas sugerem que o primeiro passo a ser dado é uma conversa aberta, explicando desde cedo os riscos que correm sendo expostos excessivamente aos monitores e telas e dessa forma ir estabelecendo limites, como impor um horário para utilização desses aparelhos, pois com a rolagem infinita, em que sempre há mais um conteúdo pronto a ser consumido, o desapego do uso digital se torna uma tarefa muito difícil.
Segundo a matéria “O uso das telas e o desenvolvimento infantil” no site Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), é importante que pausas sejam feitas durante os tempos de uso e que as atividades offline sejam priorizadas. O Instituto Fiocruz recomenda que o uso do celular só deve ser permitido após realizar tarefas escolares, praticar atividades físicas e ter seu tempo de lazer com brincadeiras que não envolvam o mundo digital por pelo menos uma hora por dia.
Ainda assim, a escolha de que tipo de conteúdo será consumido é essencial, é importante que seja designado de acordo com a idade da criança, selecionando, por exemplo, aplicativos corretos e indicados para o infanto-juvenil, que sejam educativos, estimulantes cognitivos e, mesmo assim, divertidos.
A pediatra Dra. Maria Virgínia recomenda que um dos primeiros passos para a educação tecnológica de pais para filhos seja que sirvam de exemplo. “A família, durante todo o momento em que ela está promovendo o desenvolvimento de uma criança, ela é o exemplo. Então, muitas vezes, esses pais têm que se ver como um exemplo até em relação à utilização das telas”, sugere a médica.
Ainda, a médica ressalta a restrição de horário e qual o momento indicado para ser feito o uso por crianças e adolescentes. “Sabemos que, em relação à qualidade de sono, à boa higiene do sono, a tela não deve ser utilizada duas horas antes da criança ir dormir. Então, que esse tempo que ela vai utilizar, seja feito à tarde ou em algum outro momento, que não entre à noite”, explica Maria Virgínia.
Outro ponto importante destacado pela profissional é o uso adequado de aplicativos de acordo com a faixa-etária especificada. “Uma coisa que sempre tem que ser muito conversada, principalmente com os adolescentes, com os pais de adolescentes, é a questão de trabalhar tanto a faixa etária, como dos riscos quando a gente tem uma exposição que tem uma autonomia desproporcional àquilo que a criança ou adolescente consegue equacionar”, reforça a especialista.
Mãe e farmacêutica, Daniella Mirindolino faz uso restritivo de tecnologias para seus filhos. O mais velho, Miguel, tem 13 anos e, apesar de possuir seu próprio celular desde os oito, sempre teve o uso totalmente controlado por seus pais, feito, por exemplo, através de aplicativos que permitem que o aparelho seja controlado pelos responsáveis.
O uso do celular foi concedido a Miguel após a mudança de cidade feita por sua família, para que mantivesse o contato com os colegas de onde morava, pois a mudança foi um processo complicado para o menino. Mesmo assim, o tempo disponível para utilizá-lo são de três horas por dia, e, para redes sociais, como Facebook e Instagram, existe uma ferramenta chamada “limite diário” presente no aplicativo que restringe o uso, ficando disponível por até 50 minutos.
A farmacêutica também considera importante que o uso das tecnologias seja equilibrado com outras atividades. Miguel faz natação desde os nove meses e hoje pratica vôlei todos os dias, enquanto sua filha mais nova, Isis, de 2 anos, tem seu desenvolvimento focado em atividades como músicas e leitura.
Ao ser questionada sobre acreditar que as medidas tomadas terão resultado a longo prazo no desenvolvimento de seus filhos, Daniella respondeu com convicção: “Vejo nítido no meu filho que, mesmo adolescente nesse mundo louco, entende o porquê do app em seu telefone e também a pequena Isis, que já quase fala de tudo, desfraldada e muito esperta. Com a Isis inclusive quero retardar o máximo possível o telefone próprio”.

A infância além das telas, o valor de brincar sem tecnologias | Imagem: Acervo pessoal/Daniella Mirindolino
Ferramenta ou Distração: A educação tecnológica e o uso consciente
A implementação das tecnologias nas escolas pode ser benéfica ou prejudicial para os alunos, isso depende de como o uso será executado. Sem a orientação adequada o desvio de atenção é algo fácil de ocorrer , e assim, ficam à disposição o consumo de conteúdos inapropriados e o desenvolvimento de hábitos prejudiciais, como a dependência digital. Uma vez que a atenção é desviada para o tipo de conteúdo inadequado para o momento, como jogos, o processo de compreensão obtido na aula até ali, é perdido. Ainda, o aluno que não tem o uso de celular controlado em casa, muito provavelmente não conseguirá fazer o uso adequado nas escolas, o que pode contribuir ainda mais para o vício e outros problemas mentais, como a ansiedade e a depressão.
Por outro lado, o uso educacional da tecnologia pode contribuir no auxílio da autodisciplina, como a capacidade de focar em uma atividade e treinar a concentração e produtividade, o que é útil no meio acadêmico. Outras habilidades são a elaboração do pensamento crítico, a análise da veracidade de informações e a prevenção de conflitos digitais.
Os professores implementarem um diálogo com os alunos é um elemento crucial para o uso correto de aparelhos eletrônicos como forma de educação, pois é importante que haja a consciência de que os meios digitais estão ali para serem complementares ao ensino, então que seja feito o uso de recursos que otimizam o processo de aprendizagem. As instituições de ensino terem seus próprios aparelhos digitais pode ser outra forma de contribuir para a educação, um computador livre de jogos não educativos, redes sociais para uso inadequado e outras possíveis distrações, que haja somente o conteúdo educativo.
E os adultos?
A inserção na tecnologia não se limita apenas aos mais jovens. Embora a geração dos "millennials" — aqueles que nasceram entre os anos 1980 e 1990 — e as anteriores não sejam considerados nativos digitais, elas também estão profundamente imersas no desenvolvimento da internet. Não tem como escapar: desde o ambiente de trabalho até as formas de entretenimento, a rolagem infinita de conteúdo, acompanhada do trabalho de captação de dados do algoritmo, molda nossas interações e influencia a maneira como consumimos informação e nos divertimos. Assim, a tecnologia se tornou uma parte integral do cotidiano de pessoas de todas as idades.
Uma olhadinha nas redes sociais, que deveria durar 10 minutos, pode tomar 2 horas do seu dia. Um episódio de uma série torna-se uma maratona. O vício é um dos efeitos que a rolagem infinita pode desencadear. Esse possível distúrbio ligado à dependência da internet está diretamente relacionado com a liberação de dopamina, um neurotransmissor que desempenha papel fundamental no sistema nervoso central. É o que explica a psicóloga Luana Resende, 34 anos, especialista em neurociência. “A liberação da dopamina se dá pela questão do desejo. Ela é liberada a partir do momento que você vê algo que deseja, e te motiva a ir em busca disso”, afirma a psicóloga. “Ela é um neurotransmissor da motivação”, completa Luana.
No contexto das redes sociais e da tecnologia, a dopamina desempenha um papel crucial em nossas interações digitais. Sempre que recebemos notificações - seja uma mensagem direta, uma curtida em uma postagem ou um comentário - o nosso cérebro responde a esses estímulos com a liberação do neurotransmissor. Luana esclarece que a liberação da dopamina gera uma sensação de prazer e satisfação no indivíduo. “O rolar das telas provoca a prisão do foco, justamente pela liberação da dopamina”, conta. “Você fica preso ali, rolando a tela, buscando mais e mais daquela sensação. [...] A pessoa se torna escrava do que o rolar das telas desperta”, explica a psicóloga. Quando experimentamos a validação por meio de "likes" ou comentários positivos, o sistema de recompensa do cérebro é ativado e reforça a ideia de que essas interações são desejáveis e prazerosas.
Mesmo que a dopamina seja essencial para o funcionamento do cérebro, a sua liberação constante pode causar uma compulsividade e uma dependência prejudiciais. “O uso excessivo pode levar a um comportamento de busca de validação e comparação social, impactando negativamente nossa autoestima e bem-estar emocional. A preocupação com a quantidade de curtidas, seguidores e comentários pode levar à busca incessante por aprovação externa, afetando nossa saúde mental e relacionamentos reais”, destaca a psicóloga.
O comportamento obsessivo associado ao uso de celulares e redes sociais pode ter consequências prejudiciais em diversas áreas da vida. À medida que as pessoas se tornam mais dependentes da tecnologia, o vício pode levar ao isolamento social, e as interações pessoais são substituídas por comunicações digitais superficiais. “Quando se senta em uma mesa para conversar com alguém e uma notificação chega, ao verificar o celular, o usuário pode entrar em algum outro aplicativo, então cria-se uma prisão”, elucida Luana. Ela conta que esse afastamento das interações humanas reais pode resultar em uma sensação de solidão e desconexão, o que dificulta a construção de relacionamentos significativos e os laços afetivos: “As relações ficam limitadas e às vezes podem ser chatas, porque não criam aquela recompensa, a sensação prazerosa que a internet causa”.
A dependência nas telas também causa uma desmotivação para o cumprimento da rotina e das obrigações do dia a dia. “A pessoa cria uma necessidade tão grande que ela perde a noção do tempo, quando adentra nas telas”, diz a especialista. “É necessário mais e mais daquilo, então o que é corriqueiro torna-se desinteressante, porque não gera o ‘prêmio legal’. [...] Eu fico dependente da dopamina e só quero viver as partes boas, e isso atrapalha o desenvolvimento de atividades que nem sempre são satisfatórias”, afirma Luana.
O uso excessivo de tecnologia também está associado a problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão. A pressão para estar sempre conectado e a constante comparação com a vida idealizada que os outros mostram nas redes sociais podem levar a sentimentos de inadequação e insegurança. “São muitas informações disponíveis, então o cérebro e o indivíduo ficam agitados, o que desenvolve ansiedade e estresse no usuário”, esclarece a especialista. “O desenvolvimento desses transtornos pode levar à busca de outras dependências”, explica Luana, ao comentar que essa sobrecarga emocional pode criar um ciclo vicioso, e a pessoa pode se voltar ainda mais para a tecnologia em busca de alívio.
É importante também lembrar de outro fenômeno que domina as redes sociais: a proliferação de notícias falsas e desinformação. As redes sociais se tornaram um ambiente propício para a disseminação de informações enganosas e distorcidas. Isso prejudica o discurso público e a tomada de decisões. Uma pesquisa do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), publicada na revista Science em 2018, analisou 126 mil histórias no Twitter ao longo de 10 anos e apurou que informações falsas se espalham mais rápida e amplamente do que informações verdadeiras. Em números, as desinformações têm 70% mais chances de serem retweetadas do que informações verídicas. Esse fenômeno é potencializado pela falta de legislações, já que redes sociais muitas vezes não têm mecanismos eficazes de verificação.
O sono também é afetado pela dependência na internet. “O usuário pode achar que o momento do uso das telas é de descanso. Na verdade, ele para de pensar em outros problemas, mas a mente continua acelerada e focada no bombardeio de informações”, conta Luana. Além de o vício afetar o emocional, a exposição prolongada à luz azul emitida por telas, como as de celulares, computadores e televisores, durante a noite, pode causar uma série de problemas para o ciclo de descanso natural do corpo, conhecido como ritmo circadiano. Essa luz funciona como um sinal para o cérebro de que é dia, que então inibe a produção de melatonina, o hormônio responsável por regular o sono e nos preparar para o descanso. Com a produção de melatonina reduzida, o corpo pode demorar mais para adormecer, o que afeta a qualidade e a profundidade do sono. A interrupção constante do ciclo circadiano pode levar a problemas mais amplos, como insônia, fadiga, irritabilidade e dificuldades de concentração. Esse desajuste no sono também pode enfraquecer o sistema imunológico, tornando o corpo mais suscetível a doenças.

De acordo com especialistas, para se ter um bom sono, é importante desligar o celular pelo menos 1 hora antes de dormir | Foto: Pexels
Freando a Rolagem: iniciativas para reduzir o impacto do uso excessivo das telas
Com o “boom” tecnológico que houve nas últimas duas décadas, temos hoje uma maior conectividade presente entre as pessoas, principalmente entre crianças, adolescentes e jovens adultos. Assim, até mesmo as grandes empresas desenvolveram iniciativas para que pudessem auxiliar no uso das novas ferramentas presentes nos aplicativos.
Estar sempre conectado é quase natural, e com a rolagem infinita, uma vez que você entra no mundo on-line, é muito difícil sair por estar com um conteúdo pronto logo à frente. Com isso, aplicativos como o YouTube e Instagram incluíram em seus designs configurações que permitem reduzir ou desativar notificações que os convida a acessar o aplicativo. Essa configuração vem com opções para você ajustar somente um horário que deseja ser notificado, o que traz ao indivíduo mais controle sobre quando deseja acessar o conteúdo.
Além disso, como citado anteriormente, há presente nos aparelhos IOS e Android ferramentas que controlam o tempo de uso do celular. Essas interfaces trazem um relatório detalhado sobre seu uso, oferecem ajustes de limites de tempo e enviam notificações aconselhando a fazer uma pausa. Essa ferramenta também existe dentro de alguns aplicativos como Facebook e Instagram, que se configurado, impõe um tempo limite para ser feito o uso da plataforma.
Iniciativas como o Common Sense Media, organização dos Estados Unidos, são importantes para auxiliar tanto jovens quanto pais e responsáveis a lidar com as novas tecnologias. Neste projeto eles fornecem avaliações, recomendações e ferramentas que ajudam a fazer escolhas mais informadas sobre o conteúdo que consomem, seja ele em filmes, programas de TV, videogames, aplicativos, livros ou redes sociais. As resenhas são escritas por especialistas, e a organização incentiva a participação dos pais, que também podem deixar seus próprios relatos sobre o impacto do conteúdo em seus filhos.
Além disso, a organização desenvolve materiais educativos, incluindo currículos de alfabetização digital que são amplamente adotados em escolas nos EUA e em outros países. Esses currículos ensinam os alunos a usarem a internet de maneira responsável e segura, abordando temas como privacidade, respeito online, cidadania digital, combate ao cyberbullying, e análise crítica de conteúdo. O objetivo é capacitar crianças e adolescentes a se tornarem cidadãos digitais conscientes, ajudando-os a construir uma relação saudável com a tecnologia desde cedo.
* Confira aqui um trecho da entrevista com a Dra. Maria Virginia Lellis Andrade



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