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Proteção contra plágio: como combater cópias de FanArts

Artistas digitais têm suas obras plagiadas e deslegitimadas


Por Gabriela Goulart e Luana Martinez


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Fonte: Luana Martinez


As Fanarts, entendidas como artes criadas por fãs — sejam elas pinturas, ou desenhos, com inspiração em elementos, personagens, cenários ou universos de obras originais – desenvolvidas desde os anos de 1960 e, posteriormente, estabelecidas na Internet, se tornam um fenômeno de divulgação e expansão criativa, ao mesmo tempo que atingem múltiplas audiências. 


Segundo apuração de dados do Data Report, no começo de 2024 foram registrados 5.04 bilhões de usuários em redes sociais, que é equivalente a  62.3% da população mundial. Com tamanha proporção, as artes digitais alcançam um grande público e muitos artistas são vítimas de plágio por outros usuários das redes, o que torna fundamental a proteção contra o plágio das obras.


FanArts e DMCA


Aprovada em 1998 no Senado dos Estados Unidos, A DMCA (Digital Millennium Copyright Act), lei que garante a propriedade dos direitos autorais a partir da criminalização de infrações. Vinte e seis anos depois, em 2024, o DMCA é contemplado na seção Política de Direitos Autorais do termos de uso de plataformas digitais como Tumblr, Pinterest e X (antigo Twitter); a lei se torna, então, a principal aliada contra plágios no mundo digital.


Na prática, a DMCA é implementada por meio do processo DMCA Takedown, um sistema de "notificação e remoção" que permite que proprietários de direitos autorais solicitem a remoção de material infrator das plataformas. Assim, a lei se torna uma ferramenta importante para criadores, artistas e detentores de copyright protegerem suas criações no meio digital, sendo acionada automaticamente nas plataformas onde está presente nos Termos de Uso, quando denúncias de plágio são feitas.


Desta maneira, é uma ferramenta para que criadores, artistas e detentores de direitos autorais possam proteger seus trabalhos digitalmente. Por participar dos termos de uso das principais plataformas midiáticas, é automaticamente considerada quando uma denúncia é feita alegando plágio/imitação, ação presente em diversos tipos de conteúdo na internet, como a Fanart.


Confira como denunciar um caso de plágio através do DMCA TakeDown Request:



Fonte: Gabriela Goulart


Ao considerar o plágio de FanArts, lidamos, aqui, com dois conceitos que frequentemente entram em atrito: por ser uma produção feita a partir de elementos pensados por outra pessoa, tais artes são frequentemente desvalorizadas ou enfrentam acusações de não serem legítimas. 


Uma questão essencial no debate sobre o plágio de fanarts é a definição de "fair use" (uso justo). Esse conceito jurídico permite a utilização limitada de material protegido por direitos autorais para determinados fins, como crítica, comentário e educação. No contexto da fanart, o fair use pode justificar a criação de obras derivadas, desde que respeitadas certas condições, como a não finalidade lucrativa e a devida atribuição ao autor original. Ainda assim, o fair use é um conceito interpretado caso a caso, o que significa que cada situação pode ter um desfecho diferente dependendo das especificidades envolvidas.

 

Em seu texto “The Fair Use of Copyright in Fan Works”, Liu Xinxin, mestre em direito pela Universidade Monash, aborda essa questão ao explicar que a fanart pode ser considerada uma prática legítima quando respeita os direitos do criador original e é usada de forma não comercial. Liu enfatiza que muitas dessas criações são motivadas pelo desejo de aprimorar habilidades artísticas ou de homenagear o traço do autor original. Nesse sentido, a fanart não difere de outras formas de arte e pode ser vista como uma interpretação pessoal, e não como uma cópia simples. 


Denúncia em Massa

 

Muito utilizado nos casos de plágio de fanarts, em especial para artistas um pouco mais conhecidos, a denúncia em massa tem se mostrado um recurso eficaz para o combate da distribuição e venda ilegal das obras. Essa solução encontrada tanto por aqueles que sofreram o plágio quanto por seus seguidores consiste em, após localizar o infrator em questão, um grande número de pessoas denunciarem a conta, o que normalmente resulta no banimento da mesma.


A denúncia em massa, em grande parte das vezes, se inicia quando o artista vítima do ato criminoso descobre, por meios próprios ou por terceiros, que sua arte está sendo divulgada e vendida sem sua autorização. O primeiro é tentar o contato com o infrator e tentar pedir para que retire a arte que não lhe pertence de seu perfil ou loja e quando esse passo não se mostra efetivo, entra a denúncia de massa.


O artista, então, divulga em suas redes sociais a conta plagiadora e pede para que seus seguidores denunciem para que a conta caia. Com um número suficiente de denúncias reunido por todos que auxiliaram, é possível o banimento permanente do perfil criminoso.


Além dos artistas digitais que publicam FanArts sofrerem com a deslegitimação de suas produções, muitos são vítimas de plágio por outros usuários das redes. 


Os Artistas

 

Zhishiwan, artista da China, já experimentou e está atualmente lidando com um caso de plágio. Ao visitar seu perfil na rede social X, é possível ver que está em busca do recurso abordado anteriormente para derrubar uma conta no TikTok e Instagram, que está se passando por Zhishiwan utilizando-se de um nome parecido. O plagiador em questão está, às custas da arte roubada, recebendo milhares de seguidores e curtidas, além de abrir as comissões, que consistem em produzir uma arte por encomendada a um preço pré-determinado ou negociado.


Em entrevista, Zhishiwan conta que não só essa não foi a primeira vez que passou por algo semelhante, como também a ocorrência é frequente. Muitos desses casos de plágio vivenciados pelo artista contam com sua arte sendo utilizada para vender cursos falsos para as pessoas, ou então em coleção de avatares.


Zhishiwan também compartilha sua dificuldade em fazer com que a conta plagiadora seja banida quando o caso ocorre em mídias fora da China, como o caso pelo qual está passando agora, com o plagiador que posta sua arte no TikTok e Instagram. Em plataformas chinesas, o entrevistado consegue com que o conteúdo seja removido apenas denunciando, mas na maioria dos casos não é algo possível de ser controlado, restando apenas ter esperança de que a plataforma possa reforçar suas tentativas de gerenciamento.

 


À esquerda, conta que copia a arte do Zhishiwan, e à direita conta oficial do artista em uma platafrma chinesa com as artes antigas

Fonte: Zhishiwan


Os apoiadores

 

Quando o assunto é denúncia em massa, o público, ou seja, ou seguidores do artista ou pessoas que acompanham arte em suas redes sociais, possuem um papel decisivo para o sucesso do recurso. Quando uma conta recebe um número suficiente de denúncias ou consegue atrair a atenção dos funcionários da plataforma, é possível que ela seja banida ou ao menos desativada, assim como faz com que seu conteúdo em questão seja avaliado.

Karui é um artista que posta sua arte no Instagram e X e, apesar de nunca ter passado por um caso de plágio de sua própria arte, presenciou outras pessoas pedindo ajuda e participou do processo de denúncia. Apesar de não ver com tanta frequência, afirma que ocorre com muitos artistas e nem todos conseguem descobrir que sua arte foi roubada, pois muitos plagiadores deixam de seguir ou até mesmo bloqueiam a conta original para que não sejam encontrados.


Há também o fato de que muitas artes são roubadas e repostadas por pessoas fora do país ou de bolhas virtuais muito diferentes da vítima, então o mais comum são casos em que seguidores ou pessoas que conhecem o artista descobrirem e informarem. Karui comenta que a forma com que os que tiveram sua arte roubada reagem varia de cada um, mas muitos optam por mandar uma mensagem no privado pedindo para que a conta seja excluída e, quando o pedido não é acatado, partem para a denúncia em massa.


O artista compartilha, na entrevista, que, para o recurso funcionar, é preciso fazer com que o pedido de denúncia seja bastante compartilhado e que seja gerada uma boa repercussão. Karui também afirma que é frequente que as contas consigam ser banidas, pois, dentro da comunidade, não é raro que artistas tenham uma união e se ajudem em situações como essa. Além do banimento, há uma outra saída para as contas que cometeram o crime do plágio: se retratar e não repetir o mesmo erro, opção que é escolhida a partir de um acordo entre o plagiador e a vítima.


Por fim, Karui comenta de um caso que o marcou há alguns meses atrás, em que contas diferentes plagiaram o mesmo artista de formas também diferentes: uma utilizava-se do tracing, que consiste em copiar um desenho traçando por cima das linhas originais, e o outro era recolor, prática em que a obra original é colorida de outra forma. Ao final, as contas receberam denúncias e, além de serem banidas, também se retrataram com o artista original.


PL 2370/2019


 Com o foco no cenário brasileiro quando o assunto é plágio de conteúdo publicado originalmente em redes sociais, foi proposto um Projeto de Lei, em 2019, para abordar esses casos. O PL 2370/2019, de autoria da deputada Jandira Feghali, propõe uma reforma à já existente Lei de Direitos Autorais (LDA) brasileira, com foco no crescente e cada vez mais presente uso da internet.


 O Projeto de Lei em questão abrange temas e artigos variados, todos relacionados aos direitos autorais e à internet. No que diz respeito ao tema que estamos abordando nesta matéria, plágio e uso não autorizado de arte de outra pessoa, a PL propõe que o titular poderá notificar aquele que está usando seu conteúdo extrajudicialmente, ou seja, sem passar por processos judiciais, e exigir que o conteúdo seja removido, caso tenha sido republicado com fins lucrativos.


O titular dos direitos autorais deverá, para este fim, fazer uso de um canal eletrônico para que possa identificar e permitir a localização da obra que foi utilizada sem a sua permissão. O provedor, por sua vez, deverá apresentar o site que utilizou para republicá-la e, em um prazo de 48 horas, retirá-lo do ar. Em casos de que a obra tenha dado lucro ao provedor de alguma forma e o titular escolha receber seu direito por tal divulgação, deverão ser informados os números de acesso à obra, conferidos por mecanismos de aferição.


Apesar de apresentar modificações e acréscimos positivos à Lei dos Direitos Autorais, o PL 2370/2019 também apresentou pontos que foram fortemente criticados e debatidos, referentes a outros temas propostos pela deputada. Devido a esses fatores, Projeto de Lei possuiu uma repercussão nas redes sociais, e sua situação atual no site oficial da Câmara dos Deputados é aguardar parecer do(a) relator(a) na Comissão de Comunicação (CCOM).


Cultura pop e fandom


Star Trek, franquia de entretenimento criada em 1966 por Gene Roddenberry, conta uma história do futuro, na qual o capitão James T. Kirk e sua equipe viajam pela galáxia, explorando novos mundos e protegendo a Federação dos Planetas Unidos. Essa é a premissa original, mas logo após seu lançamento, o seriado conquistou uma audiência apaixonada pela obra e determinada a expandir essa história. Então surge uma das primeiras práticas de fanarts, a partir do interesse em personagens fictícios e imaginar outros cenários usando elementos da narrativa principal.


Com a consolidação de comunidades de fãs, conhecida como fandom, forma uma rede engajada que frequentemente apoia e promove o conteúdo original, atraindo novos públicos e expandindo o alcance da obra. Através de fanarts e outras criações derivadas, os fãs ajudam a manter a relevância da obra e a fomentar uma base de consumidores dedicada. A fanart possui um grande potencial de divulgação e contribui diretamente para fortalecer a conexão entre os fãs e a obra original. Esse tipo de criação impulsiona o consumo de produtos associados ao ampliar a visibilidade da obra e manter o interesse dos fãs ativo.


Os eventos de fãs são responsáveis por juntar essa comunidade. De acordo com dados da Folha de São Paulo, a San Diego Comic Con atraiu cerca de 150 mil pessoas e movimentou US$ 160 milhões para a economia local. No Brasil, temos o festival CCXP que também é muito forte, chegando a arrecadar R$ 516 milhões em 2022, na sua versão em São Paulo.


Esses eventos permitem que as empresas lancem novos produtos, façam prévias exclusivas e promovam painéis com criadores e celebridades, aumentando a atenção do público e da mídia. Empresas como Marvel, Disney e Nintendo têm histórico de promover competições e apresentações em grandes eventos, onde fãs exibem fanarts, cosplays e vídeos que celebram suas franquias. Esse conteúdo gerado por fãs é poderoso para as marcas, já que mantém os universos ficcionais vivos e no centro das discussões.

O lucro desses encontros não param na venda de ingressos e consumo local: também ajudam a gerar campanhas espontâneas de marketing, pois os próprios fãs compartilham suas experiências e criações nas redes sociais, que amplia a exposição das marcas para audiências que, de outra forma, poderiam não ser alcançadas.


A produção de fanarts frequentemente surge do desejo genuíno de expandir o universo de uma obra original. Os fãs podem criar histórias alternativas para personagens, explorar aspectos pouco abordados no enredo oficial ou até mesmo apresentar interpretações pessoais de cenas e situações. Esse tipo de expansão criativa fortalece a conexão dos fãs com a obra original, oferecendo novas perspectivas que complementam a narrativa oficial. Em muitos casos, essa prática ajuda a manter a relevância das obras ao longo do tempo, visto que a fanart mantém o interesse ativo entre os fãs e atrai novos públicos. 



Fanart e divulgação da obra original


Existe, então, um potencial de divulgação das fanarts, que contribui diretamente para o sucesso comercial de muitas franquias. Universos ficcionais como o de Harry Potter, Star Wars, Marvel e Dinsey, por exemplo, beneficiam-se enormemente do apoio e engajamento dos fãs. 


Em matéria para O Globo, Lucas Salgado afirma que, segundo dados do Globoplay, o consumo diário de “Hilda furacão”, cresceu 150% em dezembro de 2023, quando vídeos produzidos por fãs da série viralizaram nas mídias sociais. 


Algumas empresas passaram a apoiar a produção de fanarts, vendo nela uma maneira de manter suas marcas populares e de se conectar diretamente com as gerações mais jovens. Um exemplo conhecido no mundo dos games é o da Blizzard Entertainment, empresa criadora de jogos como Overwatch e World of Warcraft que incentivou diversas vezes competições de fanarts, fanfics e cosplay entre os jogadores nos eventos oficiais, como a BlizzCon.


A Blizzard Entertainment, ainda, tem uma seção de seu site oficial destinada apenas para a submissão de Fanarts usadas em concursos e eventos. A empresa facilita o uso de suas propriedades intelectuais, permitindo que os fãs criem fanarts, desde que sigam os termos de uso estabelecidos e concordem com o uso das artes em campanhas de divulgação e o site oficial, com crédito para o artista.


Para além da divulgação da obra original, a prática contempla diversos pontos motivadores, como o treino através da produção de fanarts e a admiração pelo traço do criador original. Tais elementos não fazem com que a FanArt divirja de outras artes, e sim o oposto: historicamente, é observado a cópia de uma pintura como fim didático, como defende Amir Brito Cadôr em seu artigo “Apropriação e plágio em livros de artista”, afirmando ainda que, na era do Renascimento, era “muito comum a prática de copiar para si mesmo como uma forma de aprendizado, tendo a imagem de um grande artista como modelo”.


Para os artistas que iniciam sua jornada no mundo digital, a fanart pode representar um primeiro passo importante, servindo como uma forma de aprendizado e como um exercício de criatividade. Recriar personagens ou cenários conhecidos é uma maneira prática de desenvolver habilidades técnicas, como o domínio de proporções, luz, sombra e anatomia. Nesse processo, muitos desenvolvem um estilo próprio, que posteriormente os ajuda a criar obras originais.


Também, é comum serem criadas artes de fãs através de uma vontade genuína de expandir a história de um personagem, ou elemento da obra que aprecia, para além do cânone oficializado pelo criador. Desta maneira, a FanArt se categoriza por uma característica de ampliação do produto original, que afirma um caráter original e único em si.

Plágio e uma possível solução


Por fim, após levar em consideração os elementos como o DMCA e os direitos de cada artista sobre sua obra, é importante continuar a busca por soluções que combatam o plágio e o uso sem autorização de determinado conteúdo. A denúncia em massa se mostrou uma solução possível e efetiva nos últimos anos para lidar com esses casos quando ocorrem no ambiente digital, mas ainda assim, esse recurso possui fatores importantes para que possa funcionar: grande repercussão, engajamento e ajuda do público.


Ao descobrir que a arte de alguém foi roubada, o primeiro passo deve ser sempre informar o artista original, que pode não ter o conhecimento sobre o uso de suas obras sem a sua permissão, e então deixar que a escolha de como lidar com a situação seja deste artista. Uma primeira aproximação realizada a partir de mensagens privadas pode, em muitos casos, se mostrar suficiente para que a arte plagiada seja removida, pois há plagiadores que não sabem que o que estão fazendo é crime, mas sim pensam que estão mostrando sua apreciação pelo artista ao compartilhá-la.


Porém, nem todos os casos de plágio são pessoas sem o conhecimento da necessidade de autorização para o uso de uma arte e que querem apenas repostar algo que gostaram. Há aqueles que buscam conseguir um engajamento maior nas plataformas digitais e até mesmo lucrar de alguma forma, quando pessoas que se enquadram nesse segundo caso fazem uso de uma arte sem permissão, provavelmente é porque viram nela uma forma de alcançar seus objetivos sem muito esforço, utilizando de algo já pronto, não criado do zero. Nessa situação, o plagiador costuma bloquear ou tentar se esconder do artista original e, mesmo com o primeiro contato exigindo que o conteúdo seja removido, ele consegue encontrar outras formas de continuar a usar a arte ilegalmente.


Em cenários como o segundo apresentado, o artista original pode e costuma recorrer à denúncia em massa, pedindo aos seus seguidores e pessoas que se depararem com sua fala que denunciem a conta falsa, além de avisar para que não comprem algo de alguém que está fingindo ser outra pessoa. Ao se deparar com um pedido, a melhor forma de ajudar é, de fato, denunciando a conta e divulgando o acontecido, para que outras pessoas possam tomar conhecimento e auxiliar no processo, criando, assim, uma probabilidade maior de que a conta falsa seja banida e que a original tenha seus direitos autorais garantidos.



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