Como os Algoritmos de Streaming Criam Bolhas Culturais e Como Superá-las: O Papel da Curadoria Humana
- Soluções em Foco

- 13 de nov. de 2024
- 6 min de leitura
A praticidade das novas plataformas criou um problema cultural, o que trouxe a questão sobre os verdadeiros benefícios do avanço
Por Pedro Franco e Marcelo Mota

Com a crescente popularidade das plataformas de streaming, como Netflix, Spotify e YouTube, uma mudança significativa tem ocorrido na forma como consumimos conteúdo. A personalização algorítmica, que utiliza dados do comportamento do usuário para recomendar novos filmes, músicas e vídeos, transformou a experiência de consumo, mas também trouxe desafios imprevistos. Entre eles, destaca-se a formação das chamadas bolhas culturais — espaços onde os usuários são limitados a conteúdos que reforçam suas preferências anteriores, deixando de lado uma vasta gama de novas perspectivas culturais.
O Que São as Bolhas Culturais e Como Elas Surgem?
O conceito de bolha cultural foi popularizado por Eli Pariser, em seu livro The Filter Bubble: What the Internet Is Hiding from You. Ele descreve como as plataformas de internet, incluindo os streamings, podem criar um ambiente onde as pessoas são expostas apenas a conteúdos que refletem suas opiniões e gostos anteriores, criando um círculo vicioso de consumo repetitivo.
Nas plataformas de streaming, os algoritmos desempenham um papel crucial nesse processo, sugerindo filmes e músicas com base no histórico de consumo do usuário. Embora esse processo tenha suas vantagens, como facilitar a descoberta de novos conteúdos dentro de um gênero ou estilo já apreciado, ele também pode limitar drasticamente a exposição a novas ideias, culturas ou conteúdos inovadores. Com o tempo, o usuário vai sendo cada vez mais isolado dentro de uma bolha de conteúdos semelhantes, dificultando o acesso a uma diversidade cultural mais ampla.
Por exemplo, se um usuário assiste frequentemente a filmes de ação, o algoritmo da plataforma vai sugerir mais filmes desse gênero, sem considerar novas possibilidades. Isso pode levar à criação de uma experiência homogênea, onde a diversidade cultural é suprimida, e o indivíduo se vê preso a uma “câmara de eco” cultural.
Soluções para Superar as Bolhas Culturais
Felizmente, existem maneiras de combater esse fenômeno, proporcionando ao usuário uma experiência mais rica e diversificada. Especialistas sugerem várias estratégias que podem ajudar a diminuir os impactos das bolhas culturais. As soluções passam por curadoria humana, maior controle dos usuários sobre suas preferências e regulação das plataformas de streaming, e estão sendo implementadas por algumas plataformas como alternativas aos algoritmos.
Curadoria Humana
Uma das soluções mais eficazes para superar as bolhas culturais é a adoção de curadoria humana, que coloca especialistas no controle da seleção de conteúdo. Ao contrário dos algoritmos, que personalizam o conteúdo com base nos dados do usuário, a curadoria humana oferece uma abordagem mais intencional, focada em promover uma variedade cultural e estimular a descoberta de novas experiências.
A MUBI, uma plataforma de streaming que oferece filmes independentes e de arte, é um excelente exemplo dessa estratégia. Ela não depende de algoritmos para sugerir filmes. Em vez disso, uma equipe de curadores seleciona manualmente 30 filmes por vez, garantindo que cada usuário tenha acesso às mesmas opções de conteúdo. Essa abordagem elimina a formação de bolhas culturais, pois a diversidade é priorizada, e todos os usuários têm a oportunidade de explorar novos filmes e perspectivas culturais.
Além disso, a curadoria humana pode ser aplicada a outras plataformas, como o Spotify, que já oferece curadorias de playlists feitas por especialistas, e o YouTube, que pode seguir o mesmo caminho ao recomendar vídeos com curadorias temáticas baseadas em diferentes culturas e nichos.
Maior Controle do Usuário sobre Suas Preferências
Outra solução importante é dar maior controle aos usuários sobre as recomendações que recebem. Atualmente, muitos usuários têm pouca ou nenhuma capacidade de modificar o que os algoritmos sugerem. Implementar funcionalidades que permitam ao usuário personalizar sua experiência de maneira mais flexível pode ser uma forma de combater as bolhas culturais.
Isso incluiria a possibilidade de desligar a personalização, ou de escolher preferências temáticas, onde o usuário selecionaria explicitamente os tipos de conteúdo que deseja explorar. Com mais controle, os usuários poderiam diversificar seus interesses e ser apresentados a novos tipos de conteúdo, expandindo seus horizontes culturais.
Plataformas como o Spotify já começam a adotar práticas de descoberta ativa, com playlists diversificadas que incluem músicas de culturas e gêneros menos populares. Esse tipo de personalização mais aberta permite que o público descubra artistas emergentes e músicas de diferentes partes do mundo, sem se limitar a um único tipo de som.
Curadorias Temáticas e Funcionalidades de Descoberta
A implementação de curadorias temáticas também pode ajudar a combater a homogeneização do conteúdo. Em vez de se limitar às preferências do usuário, as plataformas poderiam criar seções dedicadas a gêneros culturais específicos, como filmes e músicas de culturas periféricas, ou produções de países com pouca representação na mídia mainstream.
Além disso, funcionalidades de descoberta, como listas de sugestões de filmes de diferentes partes do mundo ou playlists que incluem sons globais, podem desafiar a lógica algorítmica e incentivar os usuários a explorar além do seu comportamento habitual. O YouTube, por exemplo, poderia criar seções dedicadas a vídeos educacionais de diversas culturas, enquanto o Netflix poderia promover documentários sobre tradições e práticas de outras partes do planeta, além de incluir mais produções independentes de diferentes origens.
Essas curadorias têm o potencial de romper com o ciclo de conteúdo previsível, permitindo ao usuário acessar produções diversificadas que de outra forma poderiam ser ignoradas pelos algoritmos.
Incentivar o Feedback Ativo dos Usuários
Uma maneira eficaz de melhorar a personalização e promover a diversidade cultural é permitir que os usuários forneçam feedback ativo sobre as recomendações recebidas. Isso poderia ser feito através de classificações, comentários ou até mesmo indicando que gostariam de ver mais conteúdos de determinados gêneros ou culturas.
Ao permitir que os usuários participem ativamente no processo de seleção, as plataformas teriam a oportunidade de melhorar suas recomendações de forma mais dinâmica, levando em consideração uma gama mais ampla de gostos e preferências. Além disso, isso incentivaria os usuários a explorar novos conteúdos e quebrar o ciclo repetitivo criado pelos algoritmos.
Regulação das Plataformas de Streaming
Embora as soluções anteriores sejam eficazes, algumas especialistas acreditam que a regulação das plataformas de streaming pode ser necessária para combater a homogeneização cultural. Algumas discussões sugerem que políticas de regulação poderiam ser implementadas para incentivar a diversidade de conteúdo, especialmente em relação a produções locais e culturas periféricas.
A regulação poderia também atuar no sentido de descentralizar o mercado de conteúdo, evitando que grandes produções de Hollywood ou de uma única origem dominem as recomendações das plataformas. Incentivar a inclusão de conteúdos de diferentes culturas, como as produções latino-americanas ou africanas, poderia ajudar a ampliar a oferta cultural e combater o domínio das produções de massa. Além disso, a regulação poderia ser aplicada de maneira a promover mais equidade no acesso a oportunidades para produtores independentes e de nicho.
A Globalização e o Impacto nas Produções Culturais
O impacto da globalização no mundo do entretenimento é inegável, especialmente no que diz respeito às plataformas de streaming. Elas desempenham um papel central na disseminação de conteúdo, mas muitas vezes priorizam produções que seguem um padrão globalizado, frequentemente dominado por Hollywood ou pela indústria ocidental. Isso leva a uma homogeneização cultural, onde as representações de culturas periféricas ficam ofuscadas ou marginalizadas.
No entanto, o pesquisador Afonso de Albuquerque aponta que algumas produções locais, como as latino-americanas, estão começando a ganhar visibilidade, desafiando a hegemonia das grandes plataformas de streaming. Essas produções têm se mostrado uma resistência significativa à uniformização cultural e representam uma alternativa ao conteúdo globalizado, oferecendo novas perspectivas e narrativas que muitas vezes não são exploradas pelas grandes produções comerciais.
Promovendo Diversidade e Combatendo as Bolhas Culturais
A crescente popularização das plataformas de streaming tem promovido uma mudança significativa na forma como consumimos conteúdo, mas também trouxe à tona o problema das bolhas culturais. Para superar esse fenômeno, várias soluções podem ser adotadas, como a curadoria humana, o maior controle dos usuários sobre suas preferências, e a regulação das plataformas de streaming. Essas alternativas têm o potencial de transformar a experiência do usuário, promovendo uma maior diversidade cultural e permitindo que novas perspectivas sejam descobertas.
As plataformas de streaming devem abraçar esses novos modelos para não só atender aos interesses do público, mas também enriquecer sua visão de mundo, ampliando o acesso a uma variedade de culturas, ideias e experiências. A diversidade cultural não deve ser vista apenas como um valor agregado, mas como um objetivo central na criação de uma mídia mais plural e inclusiva, capaz de combater os efeitos negativos das bolhas culturais.
Com a adoção dessas soluções, é possível criar uma experiência de consumo mais dinâmica e diversificada, que beneficie tanto os usuários quanto a indústria cultural como um todo, contribuindo para uma sociedade mais aberta, plural e culturalmente rica.



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