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Atualizado: 14 de nov. de 2024

Livrarias independentes enfrentam o desafio digital e preservam o papel da leitura e da comunidade


Por Laís Espósito e Maria Eduarda Gonçalves

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Créditos: Maria Eduarda Gonçalves


O mundo literário sempre trouxe muitas histórias para as pessoas, com batalhas entre seres mágicos, amores impossíveis que no final terminaram juntos com um felizes para sempre e bruxas malvadas que perdiam para as pessoas de bom coração. Essas histórias servem para que os leitores fujam um pouco da realidade e possam encontrar um conforto em um mundo que não é o seu, sem problemas que não têm solução ou um final triste, que é o que muitas vezes acontece na vida real.


Contudo, essa não é a realidade, pois o mercado editorial sofre na atualidade, ainda mais as livrarias independentes, que precisam se reinventar cada vez mais para sobreviverem e nem sempre conseguem se manter abertas por causa da grande concorrência, a injusta distribuição de mercadorias, os preços que estão ficando cada vez mais altos e as pessoas que preferem comprar em livrarias de rede do que em pequenos negócios que atendem muito mais humanamente ao cliente.


Ao falar sobre a vida real, o mercado editorial teve um crescimento rápido em 2020, com as pessoas trancadas em casa por causa da pandemia, o que fez com que as vendas online de livros tivessem um aumento de 84%, o maior desde os anos 2000. Isso também teve influência do TikTok, que com o aumento do número de usuários fez com que as pessoas voltassem a ter o hábito de leitura, ainda que muitas obras fossem online.


Ainda que o mercado esteja crescendo a cada dia que passa, as livrarias que lucram com isso são as de rede, como Curitiba, Leitura e Nobel, porém as independentes sofrem com as vendas. De acordo com Polyana Alves Carvalho (21), comprar online ou em livrarias de rede é mais prático, principalmente pelo valor e pela variedade de exemplares. Com isso, as menores lojas precisam se reinventar para sobreviverem, pois pagam mais caro pelas obras, o que faz com que os clientes comparem preços, e têm um menor número de vendas.


O atual mercado editorial online é o principal inimigo das pequenas livrarias, pois segundo as pesquisas teve um faturamento de R$2,52 bilhões de reais no ano de 2023, enquanto as físicas tiveram uma queda de 5,1%, mesmo que tenham ficado na casa dos R$4 bilhões. Com a chegada da Amazon e a diminuição dos preços dos livros em promoções, como a Semana do Consumidor, Black Friday e a Prime Day, as livrarias independentes foram as que mais sofreram.


Para aumentar o número de livrarias independentes e trazer um novo ambiente cheio de aconchego para as pessoas, além de desafiar o mercado com ideias inovadoras, Caroline Campos Rizzotto (40) criou o Sabiá Livros, uma livraria em Uberlândia que se tornou um ponto muito comentado pelas pessoas, principalmente pela enorme quantidade de estudantes que se mudam para a cidade todos os anos por causa da Universidade Federal de Uberlândia.


Segundo Caroline, o Sabiá Livros antes não tinha o intuito de vender livros ou nem mesmo de ser uma livraria, pois começou como um ateliê de encadernação e de restauro de livros, em 2011. Porém, com a baixa demanda, as coisas precisaram mudar. Dessa forma, surgiu o local que conhecemos hoje, em que Carol e seu marido Diogo trabalham dia e noite. 

Ambos são formados em História e, ao longo dos anos, viajaram por vários países do mundo, o que fez com o amor que possuem por sebos e livros apenas crescesse. De acordo com um relato de Carol, o marido e ela têm o costume de conhecer novos locais e sempre explorar os sebos próximos, como se fosse uma parada obrigatória em todos os lugares. Sendo assim, essa paixão por livros influenciou na criação do que hoje conhecemos como Sabiá Livros.


A instalação conta com um ateliê de restauro, um sebo de livros usados, uma livraria de obras novas e um café nos fundos do espaço. Dessa forma, o casal conseguiu manter uma boa fonte de renda, aumentando cada vez mais o negócio e influenciando todos os dias a população local a adquirir um exemplar novo de uma história. 


Com isso, o Sabiá Livros se tornou muito importante para a comunidade de Uberlândia, principalmente do bairro Santa Mônica, pois pela versatilidade do ambiente, muitas pessoas vão até lá para conversarem, participarem dos eventos que são organizados pelos donos – como lançamentos de livros com autógrafos, clubes do livro e feiras artesanais – e conseguirem trabalhar em um local tranquilo e que seja confortável. Além disso, eles também fazem parcerias com escritores locais que precisam de um espaço para o lançamento de suas obras e produtores de trabalhos artesanais, como uma mulher chamada Ana Elisa, que faz capas bordadas de cadernos e todos são expostos nas feiras que acontecem aos sábados no Sabiá Livros. Dessa maneira, a livraria conseguiu se sustentar com mais facilidade, ainda que o lucro não seja exorbitante, como comentado por Caroline, que o marido e ela usam apenas o dinheiro do que foi vendido no mês para comprar mais mercadorias e realizar algumas melhorias no lugar.


Durante a pandemia, a fundadora da livraria comentou que as vendas online foram o que salvaram a situação financeira, mas que até hoje possuem certa dificuldade em acompanhar as redes sociais, pois pela velocidade das atualizações, do lançamento de livros e do crescimento das grandes empresas, a competitividade é maior. Por não terem condições de pagarem por muitos funcionários, a internet acaba ficando de lado grande parte do tempo, ainda que algumas atualizações sejam possíveis no Instagram. Isso dificulta uma concorrência justa com outras lojas do mesmo nicho que têm condições de contratar uma equipe para tomar conta do marketing digital.


Isso demonstra a desigualdade dentro do mercado, pois com a falta de divulgação por questões financeiras, livrarias menores que já precisam inovar todos os dias para manterem seus clientes ainda têm que competir com valores desproporcionais de mercadorias, obstáculos financeiros e o descaso de clientes com as vendas, já que os valores dos produtos costumam ser mais altos por causa do preço que precisam pagar para oferecerem os livros.


Mercado Literário


É a partir do mercado atual, que podemos começar a entender as soluções que livrarias independentes como a Sábia Livros precisam concretizar, não como estratégias de lucro, mas sim como caminhos de sobrevivência em um mercado competitivo, que não poupou nem mesmo grandes livrarias renomadas. 


Descrita como “Catedral dos Livros” pelo escritor português José Saramago, a Livraria Cultura que se localizava em local iconográfico na Avenida Paulista, fechou suas portas em abril de 2024. Os abalos no mercado literário já eram anunciados, sendo que em 2023 a livraria Cultura  já havia decretado falência, mas obteve uma liminar na Justiça de São Paulo que revogou o decreto. 


A Saraiva, que já ocupou o posto de maior rede do mercado literário no Brasil, não conseguiu resistir às pressões econômicas e também decretou falência em 2023. Com um histórico que inclui mais de 1,6 milhão de clientes ativos e pioneirismo no comércio digital desde os anos 1990, a empresa enfrentou desafios cada vez maiores para manter sua relevância. 


Em um panorama sobre o consumo de livros produzido em 2024 pela CBL (Câmara Brasileira de Livros) em parceria com a empresa Nielsen Book Data, destacou-se que  o mercado editorial teve 25 milhões de consumidores de livros. Apesar de que esse número tenha decaído em comparação com anos anteriores, 84% das pessoas que não compraram nenhum livro nos últimos 12 meses, alegaram que não pararam de ler, encontrando alternativas nos pdfs digitais. 

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Fonte: Nielsen Book Data


Já da maior parte dos consumidores, sua maioria compra livros físicos e digitais pelo site da Amazon, segundo a pesquisa. O faturamento anual da gigante do varejo digital com livros é estimado em R$1,4 bilhão. Isso é maior do que todas as livrarias brasileiras juntas, que faturaram R$1,08 bilhão, segundo reportagem do UOL. Grande parte desse faturamento está diretamente ligado à relação próxima da Amazon com as grandes editoras e distribuidoras de livros. 


Caroline que é fundadora da Sábia Livros, esclareceu um pouco mais da relação das pequenas livrarias com essas distribuidoras, que não possui tratamento igualitário, “A competição da venda online é cruel, A Amazon vende por um valor muito mais baixo, por que as editoras vendem em quantidades enormes para eles. Aqui vendemos um livro a 55 reais tirando uma margem muito pequena de lucro, já eles conseguem vender a 30 reais com frete grátis, assim nós como pequenos empreendedores fica inviável competir.” 


Os problemas das grandes livrarias, ultrapassam o fato do decrescimento da leitura no país e a má gestão de negócios, é importante compreender principalmente como o modelo tradicional de negócios literários se mostra insuficiente até mesmo para marcas milionárias. A Era digital forçou adaptação, aumentou a concorrência e fez com que modelos exemplares de mercado caíssem por terra.


O consumo de livros ainda existe, e se mostra um mercado passível de lucro, mas migrou em sua maioria para o ambiente digital. Os consumidores que ainda compram em livrarias físicas alegaram na pesquisa que buscam além da experiência sensorial de se ver o livro, também fatores essenciais para a experiência de compra como a recomendação dos vendedores, localização da loja e o ambiente. 


Soluções e Inovações 


É a partir dessa necessidade de inovação, que surgem dentre o mar do grande negócio, pequenas livrarias que resistem à sua maneira dentro do mercado. Soluções criativas foram necessárias para que a sobrevivência fosse a contra mão do digital. Sendo assim, a aposta dos pequenos negócios é voltada a experiência personalizada, que garante ao contrário das grandes lojas , um público mais engajado.


Mais do que um sebo ou uma livraria, Carol conta que a Sábia Livros se transformou em um espaço cultural conjugado. Contando com o ateliê de livros, sebo, café e loja de produtos de papelaria, para ela que está no mercado literário desde 2011, essa foi a chave para que o seu negócio conseguisse prosperar. “Nós começamos como um sebo em um lugar muito pequeno, mas sentimos vindo da comunidade uma vontade enorme de ampliar nosso espaço para atender essas pessoas que queriam sentar, ler e tomar um café, ou comprar um presente de aniversário.” 


Atendendo as demandas dos clientes, com a vontade de expandir seu negócio, o Sabiá Livros cresceu, porém assim que se mudaram para um lugar maior, a livraria foi atravessada pela pandemia. Segundo relatório do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) os pequenos negócios sofreram uma queda significativa de faturamento, levando muitos a recorrer a adaptações digitais ou buscar apoio financeiro. Com o Sabía Livros não foi diferente, devido ao sancionamento emergencial da Lei Aldir Blanc, o pequeno negócio conseguiu um subsídio cultural e com dificuldades conseguiram manter suas portas abertas. 


Após passar pelas dificuldades da pandemia, o sebo se tornou uma livraria  de destino. Esse novo modelo de negócio pode ser definido por ultrapassar as barreiras de transação econômica, e se tornarem locais promotores de cultura local. Essas livrarias também não se encontram no grande fluxo de clientes, só que muitas vezes exige que os clientes se desloquem para visitá-las. Esse fator contribui para que essas livrarias tenham uma experiência mais intimista. Fatores como sustentabilidade e lutas sociais também são importantes para essas livrarias. 


 Em um artigo publicado pela Harvard Business School, o especialista em reemergência tecnológica e professor Ryan Rafaelli revela os grande potencial desse novo tipo de negócio. O professor resume a sobrevivência das pequenas livrarias em “Três C´s:  Comunidade, Conexão e Curadoria”. 


Para Rafaelli, as livrarias desempenham um papel vital nas comunidades ao promover, eventos que reforçam a lealdade dos clientes e colaborando com escolas e artistas locais. O autor destaca que essas livrarias atuam como "âncoras de autenticidade" em um mundo digital, criando um espaço onde as relações sociais são cultivadas e o sentido de pertencimento é fortalecido.


As livrarias de destino também são pontos de conexão, os eventos que são promovidos além de dar visibilidade e um local de convergência para artistas locais, também promove integração dentro da comunidade. Assim os leitores e amantes da cultura conseguem compartilhar suas paixões e criar laços entre si. 


Destaca-se também nesse modelo de negócio a curadoria. Além de possuir funcionários experientes que atuam como guias confiáveis, os leitores têm contato com recomendações personalizadas que os algoritmos das plataformas online não conseguem replicar. Isso resulta em uma experiência de compra única, que Ryan considera um dos maiores diferenciais contra as grandes empresas como a Amazon.


Dentro dos fatores, que levam os consumidores a irem até as livrarias pequenas, Carol confirmou as falas de Rafaelli. “Muitas pessoas vem até aqui e tem contato com capas, ficam interessadas por outros gêneros literários que dentro do mundo digital ela talvez nunca fosse encontrar”. A falta de diversidade ligada ao meio digital está diretamente conectada aos “filtros bolha”. 


Os filtros bolha estão relacionados com o conteúdo que você recebe nas redes sociais. Esse conteúdo é personalizado de acordo com suas preferências e os dados que são coletados durante o seu uso da internet. Se por um lado esses filtros tornam a experiência online muito mais personalizada e atrativa para o usuário, eles também são capazes de impulsionar o isolamento cognitivo, onde somos incentivados a consumir aquilo que “já sabemos” ou “já gostamos”, excluindo visões divergentes e promovendo um reforço contínuo das mesmas narrativas. 


Créditos: Laís Espósito


O pensamento de Paulo Freire reflete as consequências dos filtros bolha no nosso pensamento crítico. Já que se nos dizem o que ler por meio da personalização do algoritmo, limitamos nossa visão de mundo, impedindo que a leitura tenha seu aspecto emancipatório que lhe é inerente. As pequenas livrarias também fazem esse resgate com a interação tangível, permitindo que sem as mediações dos algoritmos, as pessoas tenham contato com contrastes, sejam eles nas temáticas dos livros, ou durante a promoção de clube de livros e debates que são feitas nas pequenas livrarias. 


O mundo digital não é apenas um adversário para os pequenos empreendedores, mas também uma poderosa ferramenta que muitas livrarias de destino estão utilizando para prosperar. Ryan explica em seu artigo, que o segredo para o sucesso também se encontra no uso estratégico do digital para atrair e engajar possíveis clientes. Plataformas como Instagram e o TikTok podem ser usadas para criar um conteúdo que seja capaz de interagir com esses clientes mesmo sem eles terem que fazer o deslocamento até o local. 


Pequenas livrarias vêm inovando na maneira de como se compram e se experienciam livros. Mais do que uma transação, elas buscam experiência e acolhimento entre comunidades e cultura local. Tudo isso por meio de reuniões de clube de livro, rodas de conversa, lançamentos e feirinhas no fim de semana. As pequenas livrarias resgatam muito além da leitura, potencializando a intersecção entre arte e humanidade. 


Conclusão


Para a sua sobrevivência, os comércios menores precisam estar sempre se reinventando para conseguirem atrair clientes, ainda que nem sempre os resultados sejam satisfatórios, como citado por Caroline, que seu negócio como restauradora de livros não estava correndo como o esperado por ser um mercado com baixa procura. Portanto, ter novas ideias e não se deixar abalar com as adversidades é um grande desafio enfrentado por esses empreendedores, porém o Sabiá Livros conseguiu se reerguer e se transformar no que conhecemos hoje.


O apoio às livrarias menores precisa ser mais propagado nas redes sociais, pois são as mídias que mais influenciam as pessoas hoje em dia. Segundo dados coletados, em um grupo de 46 entrevistados, 78,3% afirmam que compram livros por causa da internet, mesmo que nem o gênero seja o que tenha o costume de ler. Isso demonstra a força das redes sociais sob a população, ditando quais são os melhores lugares para se comprar. Além disso, muitas livrarias de rede fazem parcerias com influenciadores, o que ajuda na divulgação de seu trabalho, porém isso só ocorre porque as grandes empresas têm dinheiro para oferecer produtos em troca de likes nas mídias.

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De acordo com tudo o que foi apresentado, é notório como as livrarias independentes sofrem no panorama atual, pois são desvalorizadas entre a população, mesmo que dentro de um grupo de 46 pessoas com dados coletados, 40 tenham o hábito de leitura, mas apenas 7 tem o costume de comprar em livrarias que não são de grandes redes.

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Se torna necessário que as pessoas passem a consumir mais livros e outros produtos em livrarias independentes, porque ainda que exista a facilidade da venda online ou mesmo da maior variedade em lojas de rede, não existe a relação do leitor com o vendedor, além de que os ambientes maiores se tornam intimidadores para muitas pessoas, o que pode ser revertido quando se começa a frequentar locais mais acolhedores. 


As livrarias independentes se preocupam com a sustentabilidade, sendo uma das características do Sabiá Livros, pois por também possuírem um sebo, fazem com que as histórias sejam compartilhadas com diversas pessoas e que a produção de livros não seja desenfreada e colabore com a poluição do meio ambiente, além de influenciar que as pessoas dividam os livros que possuem, mas que não gostam ou que já foram lidos e estão abandonados na estante e os levem para um novo lar. Essa atitude ajuda com a rotatividade das histórias, ensinando um maior número de pessoas e permitindo que quem não tem condição de adquirir um livro, tenha o direito de lê-lo.





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