Movimento de Design Ético inova a experiência digital em favor do bem-estar do usuário
- Soluções em Foco

- 14 de nov. de 2024
- 17 min de leitura
Atualizado: 26 de nov. de 2024
Iniciativa prioriza a saúde mental e a autonomia do usuário para reduzir manipulações emocionais e excesso de estímulos
Por: Ellyn Lago, Laura Malavolta e Maria Eduarda Sansoni
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Com as consequências da hiperconexão digital ganhando destaque, surge uma proposta inovadora que promete mudar a forma como navegamos e interagimos nas plataformas digitais: o Design Ético. Criado para conter o impacto psicológico dos gatilhos mentais, essa abordagem está ganhando força por priorizar o bem-estar e a autonomia dos usuários, buscando alternativas ao modelo de plataformas desenhadas para captar a máxima atenção.
Duas iniciativas centrais dentro do Movimento de Design Ético, o Center for Humane Technology e o movimento Time Well Spent, oferecem respostas diretas aos problemas atuais do cenário digital. O Center for Humane Technology, liderado por Tristan Harris, ex-especialista em ética de design do Google, busca reformular os princípios que guiam o desenvolvimento tecnológico, visando plataformas menos dependentes da exploração emocional. Com uma rede de especialistas, o centro organiza workshops, palestras e encontros estratégicos com líderes da indústria para promover tecnologias que respeitam o bem-estar dos usuários. Suas diretrizes incluem práticas de design que priorizam a transparência, o consentimento e o controle do usuário, reduzindo o foco em métricas como tempo de tela e interações forçadas.
Em paralelo, o movimento Time Well Spent tem ganhado força ao promover o uso consciente do tempo digital, introduzindo o conceito de “tempo bem gasto” como um parâmetro central para a criação de interfaces. Em vez de projetar plataformas que incentivam o uso excessivo, a iniciativa defende tecnologias que ajudam os usuários a estabelecer limites e controlar seu envolvimento digital. Com recursos como relatórios de uso e notificações adaptativas, o movimento permite ao usuário monitorar seu tempo online e tomar decisões mais conscientes sobre suas interações digitais. Essa abordagem busca não só valorizar o tempo do utilizador, mas também promover uma relação digital mais saudável, onde o bem-estar tem prioridade sobre o lucro.
A necessidade dessas mudanças fica clara diante dos efeitos psicológicos do consumo digital atual: a constante busca por estímulos mediados pela dopamina, a crescente fusão entre o real e o virtual e o impacto dos gatilhos mentais sobre a saúde mental. Diante desse cenário, o Design Ético surge como um divisor de águas, oferecendo uma alternativa essencial para preservar a saúde mental e emocional dos usuários.
A função do designer dentro das redes sociais
Muito se engana quem pensa que o design de um aplicativo ou de uma rede social é decidido de maneira fácil, pensando apenas no que fica “esteticamente bonito”. Na verdade, a interface desses produtos digitais são extremamente importantes para os empresários que gerenciam esses apps, porque é através do que o usuário vê, que ele decide permanecer ou não na plataforma.
O design persuasivo nos aplicativos está intimamente ligado ao capitalismo de dados, funcionando como uma estratégia para maximizar o tempo e a atenção dos usuários, que acabam sendo traduzidos em dados monetizáveis. Usando princípios psicológicos e técnicas específicas, como notificações personalizadas e recompensas variáveis, os apps buscam capturar o interesse do usuário, mantendo-o engajado por longos períodos. As notificações, por exemplo, são programadas para atrair atenção e despertar a curiosidade, fazendo com que o usuário abra o app com frequência. Outra técnica é a de recompensas variáveis, em que a possibilidade de receber um novo "like" ou mensagem gera uma espécie de ciclo de recompensa emocional, que acaba se tornando viciante.
Essas práticas, por mais eficazes que sejam do ponto de vista comercial, têm implicações psicológicas e emocionais significativas. O uso excessivo de notificações, por exemplo, pode levar a uma sensação de ansiedade e urgência constante, dificultando a desconexão do app. Além disso, as redes sociais, em especial, promovem uma dinâmica de comparação social que pode afetar a autoestima dos usuários. Já a exposição a representações idealizadas das vidas de outras pessoas pode levar o usuário a questionar seu próprio valor. Muitos apps também exploram o medo de estar “por fora” ou de perder alguma novidade importante, um fenômeno conhecido como FOMO (Fear of Missing Out), expressão criada pelo aluno de administração em Havard, Patrick McGinnis, que leva o usuário a retornar ao app com uma frequência que muitas vezes foge de seu controle consciente. Esse comportamento impulsivo é reforçado ainda mais por métricas sociais, como o número de curtidas e seguidores, que criam uma pressão competitiva.
Essa pressão constante presente nos apps pode prejudicar o descanso do usuário e comprometer seu desempenho em outras atividades, afetando tanto sua rotina quanto seu bem-estar emocional. Diante desses efeitos, a ética no design digital vem sendo debatida, com questionamentos sobre a responsabilidade das empresas em criar experiências que respeitem a saúde mental dos usuários. Com a crescente percepção dos efeitos negativos desse tipo de design, existe um movimento que defende o desenvolvimento de apps que promovam um uso mais consciente e saudável, permitindo que os usuários retomem o controle sobre seu tempo e protejam sua privacidade, ao mesmo tempo em que questiona os limites éticos do uso de dados para fins de lucro.
A quantidade de pessoas envolvidas no design de um aplicativo varia de acordo com o tamanho da empresa, mas sempre há pelo menos uma pessoa responsável pela interface do app. Há dois tipos de profissionais para essa função: o UX Design e o UI Design. Eles trabalham juntos para desenvolver as estratégias do produto e desenhar a melhor experiência para o usuário.
Segundo o site Aela, portal de informações sobre design, UX Design trabalha com a pesquisa do usuário e sua experiência. Os features, a arquitetura de informações, o esqueleto de navegação, são todas funções do UX. Já o UI Design é responsável por receber todos os dados que vieram do UX e transformá-los na interface do app, focado no seu visual, como a cor, a marca, o layout, a tipografia, os feedbacks visuais, etc.
Para Sabrina Maia, designer gráfica com pós-doc em design e tecnologia e também professora do curso de Design da Universidade Federal de Uberlândia, as estratégias para manter o usuário engajado na rede social e nos apps, variam de acordo com a geração e as tecnologias que estão surgindo. Segundo a designer, o principal indicador dessas estratégias são as métricas ofertadas pelos próprios aplicativos, por meio dos dados que oferecemos para eles.
“Você faz de tudo para o usuário pensar que determinado conteúdo está ali e a partir de algumas horas não vai estar mais”, disse a professora. Segundo Sabrina, o design do aplicativo tende a fazer o indivíduo sempre clicar em determinado link, em um produto, ativar as notificações, ver os vídeos ao vivo, e determinadas funções que façam com que ele permaneça engajado na rede.
Para a professora, a ética dentro do design é discutida há muito tempo, mas enfrenta alguns contrapontos. O principal deles é que o designer sempre visa cumprir as estratégias propostas e, em grande maioria, “a qualquer custo”. Embora haja funções em alguns aplicativos que delimitam o tempo de uso de um usuário, ou impede crianças de acessar algumas informações, o designer persuasivo ainda não sofre regulamentação efetiva ou enfrenta uma solução que o impeça.
Sabrina relembrou de quando houve a proibição das propagandas de cigarro e a obrigatoriedade do alerta na embalagem. Com essa regulamentação, muitos empresários ficaram revoltados devido ao impacto financeiro, mas teve um efeito benéfico a longo prazo. “Não sei se haverá algo parecido nas redes, mas acho que o designer que está se formando agora precisa se inteirar sobre a discussão do design ético e a maneira como se comporta no ambiente social e tecnológico das redes, para assim propor soluções”, disse a especialista em design e tecnologia.
A relação entre a dopamina e as redes sociais: o eterno sistema de recompensa
Dessa forma, a longa permanência nas redes sociais e nos aplicativos não afeta apenas a produtividade, como também interfere diretamente na saúde mental do usuário. Os estímulos recebidos através das redes sociais se ligam diretamente ao nosso cérebro por meio da dopamina, um neurotransmissor no sistema nervoso central que desempenha um papel fundamental para o indivíduo. Além de ter profunda relação em alguns processos cognitivos e comportamentais do ser humano, quando liberada, a dopamina provoca sensação de prazer, motivação e, em especial, ativa o sistema de recompensa.
Esse sistema é comumente ativado por situações e experiências que geram prazer, como comer algo saboroso, passar um tempo com pessoas que ama, alcançar um objetivo almejado, entre outros. Ao vivenciar esses momentos, há uma liberação de dopamina, responsável pela sensação de motivação e prazer, que gera uma necessidade do cérebro de “sentí-la” novamente, incentivando a repetição de comportamentos que antecedem essa sensação em busca de sua recompensa.
Um “like” em um post no Instagram, uma sequência de vídeos no TikTok, ou uma timeline repleta de memes no Twitter, provocam pequenos picos de dopamina no cérebro. Essa sensação momentânea de prazer, ativam o sistema de recompensa, fazendo com que o usuário permaneça dentro deles e cada vez mais consuma os seus estímulos. É nesta situação, que os desenvolvedores/idealizadores de aplicativos e redes sociais, utilizam um design atrativo para fazer com que o indivíduo permaneça ali, consumindo toda a produção ofertada por ele e se tornando “refém” do prazer gerado pelo conteúdo consumido.
A grande “arma” das redes sociais é a expectativa que ela gera no usuário quanto à sensação de prazer que irá sentir no próximo estímulo que vier, por este motivo que o design de rolagem nos apps dão tão certo na população. “Sem ver”, o usuário passa horas rolando a tela para baixo em busca de um conteúdo melhor que o anterior, que o deixe ainda mais satisfeito. Outro exemplo, são os botões interativos nos aplicativos de compra, que te levam a jogos dentro da loja para conseguir descontos e liberar promoções. Essas estratégias também possuem como foco o sistema de recompensa que funciona bem no humano, pois muitas vezes é graças à dopamina que esses estímulos resultam em dinheiro para as grandes empresas.
Todo este sistema alimenta um sentimento prejudicial ao usuário: a ansiedade. Nessa constante busca pelo prazer e pela recompensa nas redes sociais, o indivíduo passa a desejar cada vez mais essa sensação, gerando picos de nervosismo e depressão ao ficar longe de todos esses estímulos. O “detox digital” ganha força entre aqueles que fogem desse ciclo, pois sem a rolagem infinita, e sem os botões criativos e todos os pequenos prazeres gerados por uma interação nas redes sociais, o ser humano volta a sentir os efeitos da dopamina de maneira equilibrada, sem o excesso de estímulos causados pelo meio digital.

Um dos exemplos claros de se perceber o impacto das redes sociais no indivíduo foi a medida que o Instagram tomou de dar a opção ao usuário de retirar a visibilidade da quantidade de likes visível nas fotos de outros usuários. Essa ação fez com que o indivíduo tivesse uma percepção e um “controle” maior da pressão social e do impacto psicológico que as redes sociais exerciam sobre ele. Muitos estudos apontam que a exposição ao número de curtidas pode gerar sentimentos de comparação, baixa autoestima e ansiedade, especialmente entre os jovens. Ao remover a contagem visível de "likes", o Instagram procurou criar um ambiente mais saudável, onde o foco está no conteúdo compartilhado, em vez da validação pública.
Essa decisão está associada ao que muitos chamam de "capitalismo de dados", que se define pelo uso de métricas e dados para moldar o comportamento e manter o engajamento nas plataformas. As curtidas, por serem métricas públicas, influenciam na forma como as pessoas se comportam e interagem online, incentivando publicações que gerem validação social. Com a contagem visível opcional, a plataforma tentou também responder a críticas de especialistas que veem esses números como ferramentas de manipulação e modulação do comportamento.
Embora o movimento seja positivo em termos de saúde mental, também levantou questões de marketing e negócios. Influenciadores e marcas, que dependem da contagem de "likes" para medir engajamento e alcance, precisaram encontrar novas métricas e formas de avaliação, para avaliar a forma como o seu conteúdo se desempenhou entre o público.
Era da Virtualidade Real e seus Impactos no Uso Consciente das Mídias
Na era atual, o digital deixa de ser apenas um complemento à vida cotidiana para se tornar uma extensão da identidade humana. Esse fenômeno, que especialistas chamam de "Era da Virtualidade Real", reflete uma nova realidade onde o mundo físico e o virtual se fundem, impactando profundamente as percepções, comportamentos e relações humanas. O conceito, desenvolvido dentro da Teoria Tecnológica, que propõe ideias sobre os meios se tornarem formas de extensões do ser humano, sugere que, ao transpor as interações para plataformas digitais, a vida “real” e a “virtual” se misturam, dificultando a distinção entre o que é experienciado diretamente e o que é mediado por interfaces digitais.
Com o crescimento exponencial do acesso à internet em todas as classes sociais e áreas geográficas, observa-se, na prática, o aprofundamento da Era da Virtualidade Real. A inclusão digital possibilita que um número crescente de pessoas experimente essa integração entre o mundo físico e o virtual, o que impacta diretamente nas rotinas e identidades. O aumento expressivo da conectividade entre 2015 e 2023, como demonstrado no gráfico abaixo, evidencia uma ampliação das oportunidades de interação e construção de identidades no espaço digital. Dessa forma, o acesso à internet conecta indivíduos e redefine as relações sociais, consolidando o digital como uma extensão essencial para a participação na sociedade contemporânea. Esses dados são provenientes de pesquisas realizadas pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), vinculado ao Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), especialmente por meio da pesquisa TIC Domicílios, que monitora o uso de internet no país.

A Fusão do Mundo Físico e Virtual
A relação entre o mundo físico e o virtual deixou de ser uma simples extensão do cotidiano, como acessar redes sociais ou utilizar dispositivos móveis. A chamada Era da Virtualidade Real representa uma transformação estrutural, na qual as tecnologias desempenham um papel central na maneira como os indivíduos pensam, sentem e respondem a estímulos e gatilhos emocionais. Nesse contexto, a tecnologia não se limita a oferecer suporte às interações humanas; ela atua como um agente ativo, influenciando comportamentos e moldando percepções sobre o mundo.
O que anteriormente era percebido como um espaço de interação separado e temporário tornou-se parte integrante da identidade e da experiência humana. Redes sociais, por exemplo, transcendem o objetivo de conectar pessoas, configurando-se como ferramentas que estabelecem normas sociais, influenciam tomadas de decisão e moldam a autoimagem dos usuários. Essa interseção entre o real e o virtual redefine a construção da identidade, mediada por plataformas digitais, evidenciando como a experiência humana é cada vez mais atravessada por tecnologias.

A influência da tecnologia sobre o comportamento humano é especialmente evidente na forma como o marketing digital e a construção do visual dos meios virtuais se apropriam das plataformas para moldar decisões e preferências. Segundo Lívia Sansoni, publicitária formada pela ESAMC, com MBA em Economia Comportamental pela ESPM, “a relação entre tecnologia e o marketing digital sempre existiu e, ao longo do tempo, nós iremos descobrir ainda mais formas. Desde o início da minha carreira, eu vejo que essa frente do marketing, atrelado com a tecnologia, com um foco na mudança de comportamento, vem se desenvolvendo e com mais medidas de conscientização, pode vir a evoluir de uma forma bem positiva também”. Com uma formação que une comunicação e economia comportamental, Sansoni destaca como o digital, mais do que conectar, direciona desejos e expectativas. Ela acredita que o potencial transformador do marketing digital pode ser explorado de maneira ainda mais consciente, influenciando a maneira como os indivíduos se posicionam e se veem na sociedade, contribuindo para uma experiência digital mais ética e positiva.
A Manipulação Emocional nas Interações Digitais
Com o aumento do tempo dedicado aos ambientes digitais, os efeitos psicológicos dos usuários tornam-se cada vez mais visíveis: dispersão da atenção, estresse e um ciclo de interações que, muitas vezes, ocorre sem que o usuário perceba o quanto está sendo influenciado pelo design das plataformas. O uso de algoritmos exemplifica como as tecnologias podem moldar nossas escolhas e comportamentos de maneira sutil, mas significativa.
Para o usuário, o impacto da virtualidade real se traduz em uma experiência que é, em grande parte, guiada pelas ferramentas digitais de forma inconsciente. Ao entrar no ambiente digital, as pessoas estão sujeitas a mecanismos de engajamento desenvolvidos para maximizar o tempo de uso e a frequência de interação. Nesse contexto, a linha entre o uso consciente e a manipulação emocional é tênue. Cada curtida, notificação e sugestão de conteúdo são projetados para prender a atenção e estimular a permanência nas plataformas, o que aumenta o tempo de tela e reduz o controle sobre o próprio comportamento online.
A manipulação emocional exercida pelo mercado online, como as plataformas de anúncios Google Ads e Meta Ads, é um exemplo de como até mesmo usuários conscientes e informados podem ser influenciados de forma sutil. Como aponta Lívia Sansoni,“eu me lembro quando estava estudando como profissional e pensava: ‘eu não caio nessas, eu não sou tão influenciável’, mas eu sou, e isso acontece muitas vezes de uma forma imperceptível”. Segundo Sansoni, os gatilhos mentais sempre existiram e sempre existirão, mas o problema surge quando grandes empresas ultrapassam os limites éticos ao priorizarem o lucro em detrimento de uma experiência saudável para o usuário. Em vez de promoverem práticas que apoiem o bem-estar digital, essas empresas muitas vezes exploram vulnerabilidades emocionais, tornando a experiência online um espaço de manipulação constante. Isso reforça a importância de se discutir a ética e a responsabilidade das plataformas, especialmente em um ambiente onde o design e a arquitetura das interações são elaborados para influenciar decisões sem que o usuário perceba totalmente o impacto.
A solução do Design Ético
Diante desse cenário, o movimento de Design Ético surge como uma alternativa que busca restaurar a autonomia dos usuários, promovendo um uso mais consciente e saudável das tecnologias digitais. Com foco no bem-estar e no respeito ao usuário, essa abordagem visa reduzir a manipulação de gatilhos mentais e promover uma experiência digital mais equilibrada. A Era da Virtualidade Real não é apenas um fenômeno de inovação tecnológica, mas também um desafio ético que demanda soluções práticas e urgentes, para que o mundo digital se torne um espaço de desenvolvimento humano e não uma prisão invisível.
As propostas do Design Ético alinham-se com a necessidade de criar um ambiente digital que valorize a saúde mental e a autonomia dos usuários. Como ainda observa Lívia Sansoni, “eu acredito que no quesito ético, um profissional, acima de tudo, deve ser um profissional empático. É lógico que, muitas vezes, trabalhamos para grandes empresas que visam os resultados em primeiro lugar, mas é necessário que possamos exercer uma posição empática não só para nós, mas para o futuro de todos.” Nesse sentido, o design de produtos digitais deve ser reorientado para priorizar o bem-estar dos usuários, promovendo uma experiência baseada em empatia e transparência, em vez de exploração emocional.
A fusão dos mundos físico e virtual desperta debates relevantes sobre identidade, saúde mental e ética no design digital. Pesquisadores têm destacado a importância de abordar esses desafios para garantir uma coexistência equilibrada entre o digital e o físico, promovendo benefícios mútuos. Segundo o Center for Humane Technology, o Design Ético visa 'alinhavar os interesses das plataformas com os valores humanos, promovendo o bem-estar mental e social'. Nesse contexto, propostas como o Design Ético e a educação digital emergem como estratégias discutidas por especialistas para criar um ambiente online que favoreça o bem-estar mental e o desenvolvimento humano. Essas abordagens buscam transformar o digital em uma extensão saudável da identidade humana, capaz de enriquecer a vida cotidiana.
Saúde mental na era dos “likes”
Na era digital, as redes sociais se tornaram parte integrante da vida cotidiana, moldando a forma como os indivíduos se conectam, consomem informações e interagem com o mundo. Elas revolucionaram a forma de interagir e se comunicar ao redor do mundo, trazendo inúmeros benefícios e vantagens para a vida de todos os seres humanos. No entanto, o uso excessivo dessas plataformas pode expor os usuários a uma série de gatilhos mentais que exploram suas emoções e comportamentos. Essa dinâmica não apenas afeta a saúde mental, mas também abre espaço para a manipulação emocional, onde sentimentos de inadequação são alimentados constantemente. À medida que a linha entre conexão e dependência se torna cada vez mais tênue, é crucial entender como esses gatilhos operam e quais são suas consequências, promovendo uma reflexão sobre o uso consciente e saudável das redes sociais.
Um dos maiores vilões da geração Z se tornou o vício em redes sociais, e essa é uma questão que vem se agravando conforme os anos. Hoje em dia, crianças de menos de três anos de idade já apresentam indícios de compulsão por telas, seja assistindo televisão ou tendo acesso a aparelhos celulares como uma “distração” para os pais. Com isso, cada vez mais problemas psicológicos estão sendo desencadeados nas crianças e adolescentes. Esse cenário alarmante levanta uma discussão sobre diversos problemas que são desencadeados por essa compulsão tecnológica, refletindo a necessidade de promover um uso mais equilibrado e consciente das ferramentas que moldam a vida cotidiana.

Atualmente, entre os jovens, uma síndrome que ganhou bastante visibilidade é a ‘FoMO’, abreviação de ‘Fear of Missing Out’, termo criado pelo empreendedor americano Patrick McGinnis nos anos 2000. Resumidamente, ela explica o medo de ficar de fora de eventos da vida alheia, compelindo a pessoa a um uso excessivo das plataformas, a fim de obter informações e atualizações sobre tudo a todo tempo. Isso também está atrelado a curiosidade em ficar por dentro do que os outros estão comendo, o que compraram recentemente, para onde estão viajando, etc. O “medo de ficar de fora” é responsável por causar uma angústia no indivíduo por sentir que está perdendo algo. A ansiedade é o principal transtorno causado pela ‘FoMO’, sendo a porta de entrada para o desenvolvimento de inúmeros outros problemas.
Esse é um dos problemas causados pelo excesso de internet, mas não é o único. Gatilhos de recompensa também são bem populares nesse quesito, onde estímulos que desencadeiam uma sensação de estímulo e prazer momentâneos são utilizados para motivar comportamentos muitas vezes compulsivos. Receber curtidas ou comentários nas publicações, ativa o sistema de dopamina no cérebro, que faz com que o indivíduo procure postar cada vez mais a fim de liberar esse sentimento mais vezes. Além disso, jogos e aplicativos também trabalham com gatilhos de recompensa, porém, na forma de prêmios, pontos ou conquistas, com o intuito de deixar a pessoa mais engajada e desejando voltar a consumir. É uma estratégia montada especificamente para criar um ciclo vicioso, deixando os usuários cada vez mais “reféns” de conquistar essas recompensas.
Maíra Lorencini, psicóloga formada pela UFU, afirma que a saúde mental está sempre em movimento e, quando o indivíduo não consegue fazer essa transição de forma fluida, o sofrimento toma espaço. Portanto, para ela, ao tratar-se de internet, o uso excessivo impacta no psicológico das pessoas de forma direta. “Pensando nas redes sociais, a gente fala sobre acessos rápidos, repetidos, que acontecem da mesma maneira, às vezes são invasivos [...], então estamos falando sobre redes que dizem respeito só sobre um jeito de ser, de estar, de uma forma muito abrupta. E isso impacta diretamente na nossa saúde mental, tendo em mente que não somos máquinas, não funcionamos sempre da mesma maneira”, afirma. Além disso, Maíra diz que, hoje em dia, o mundo virtual é uma simulação do campo social. “Esse virtual tem relações com essa “formação de humanidade”, em como ser pessoa, então não tem como separar [social do virtual], porque acaba sendo tudo a mesma coisa mas de jeitos diferentes, e nós estamos aprendendo agora a sermos humanos também no virtual”, comenta a psicóloga.
Outra questão é a da manipulação emocional. No sentido bruto do termo, é uma técnica usada para influenciar ou controlar os sentimentos e comportamentos de outra pessoa, muitas vezes com o objetivo de obter vantagem ou alcançar um resultado desejado. Trazendo isso para o meio da internet, é a estratégia de utilizar clique-baits e postagens sensacionalistas visando provocar reações emocionais intensas, incentivando o engajamento e a disseminação de conteúdo. A problemática dos algoritmos conversa bastante com esse dilema, uma vez que eles servem de parâmetro e “juiz” do que será consumido por cada indivíduo on-line.
Um nicho um pouco mais profundo porém muito difundido pelo vício em redes é o de comparação social. Na maioria das vezes, aquilo que é postado não é a real face do que acontece. As pessoas postam suas vidas idealizadas ou apenas uma parte muito pequena do que de fato é vivido, causando uma comparação e uma inferiorização pessoal por parte de quem está do outro lado da tela. Problemas de autoestima e depressão são comuns quando se fala dessa comparação incessante nas redes sociais, o que é altamente prejudicial para a saúde mental de qualquer indivíduo. De acordo com o G1, um estudo de 2020 da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), aponta o Brasil como o segundo país que mais realiza cirurgias plásticas no mundo, com aproximadamente 1.5 milhão de procedimentos ao ano, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Esse número tão significante, muitas vezes, é efeito do fenômeno de comparação causado pela internet na vida dos usuários. Influencers e celebridades esbanjam suas vidas para milhares de pessoas que não possuem as mesmas condições de sobrevivência e, indireta ou diretamente, impõem um parâmetro de imagem desejável que, ao mesmo tempo, é inalcançável por muitos, contribuindo cada vez mais para o aumento desse problema de comparativo pessoal tão recorrente na sociedade atual.

Outro ponto importante é o cyberbullying, fenômeno cada vez mais prevalente na era digital, especialmente entre jovens que vivem imersos no mundo das mídias sociais. Com a popularização dessas plataformas, as interações sociais foram transformadas, mas também se tornaram um terreno fértil para comportamentos prejudiciais. As vítimas de cyberbullying enfrentam não apenas o assédio e a humilhação virtual, mas também a pressão incessante por validação em um ambiente onde a aprovação é medida em "likes" e comentários. Essa busca por aceitação pode intensificar a vulnerabilidade das pessoas, criando um ciclo vicioso em que a autoestima está diretamente ligada à interação online. Quando alguém é alvo de ataques, a necessidade de reafirmação se torna ainda mais crítica, levando a um comportamento de constante comparação e a uma dependência das redes sociais para sentir-se valorizado. Junto a isso, a validação social, que sempre existiu de alguma forma, é exacerbada na internet. A facilidade de se comunicar e interagir com um público vasto pode gerar tanto um senso de comunidade quanto um ambiente de competição feroz. Para muitos, a quantidade de seguidores ou interações se traduz em autoestima e identidade.
Milhares de outros gatilhos e manipulações são encontrados no desenvolvimento de aplicativos. Não é atoa ou apenas coincidência que essas questões têm aumentado tanto conforme os anos. Desenvolvedores e empresas buscam cada vez mais se apropriar desses problemas para que o consumo de seus produtos se torne ainda mais eficaz, mesmo que seja prejudicial à saúde dos usuários. Estratégias, ferramentas, algoritmos, fazem parte do vasto e amplo acervo de instrumentos utilizados para captar a interação do ser humano com as redes sociais, e esse problema se tornará algo ainda mais grave caso não seja tomada nenhuma atitude a respeito. É por isso que o movimento de Design Ético se torna uma saída tão importante para os dias atuais. Prevenir que esse tipo de atitude ganhe força dentro das plataformas é uma iniciativa essencial para garantir a saúde mental e o bom funcionamento das redes sociais em uma via de mão dupla. A internet pode e deve voltar a ser um lugar em que a socialização e as boas experiências sejam a peça principal para o seu funcionamento.
Referências em anexos:

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